DOS PAÍSES BAIXOS AO SALTO VENTOSO
Haarlem, a capital da província neerlandesa de Noord-Holland, o “Parque Salto Ventoso”
localizado no município gaúcho de Farroupilha e inclusive o Vale do Taquari no
estado do Rio Grande do Sul, possuíram uma conexão no século XIX, cujo elo de
ligação foi o imigrante neerlandês Lambertus Versteeg e suas experiências
decorrentes do processo imigratório no sul do Brasil. Este caso específico terá
espaço nesta postagem, para a qual também retomarei a visita realizada em 27/10/2017
ao Vale do Caí e Serra Gaúcha que teve como intuito conhecer os espaços
ocupados pelo agente histórico acima mencionado.
Lambertus Versteeg nasceu em 11/11/1822
em Haarlem e configurou – após ter constituído família composta de esposa e
filho – uma das diversas famílias de origem neerlandesa contratadas pela
empresa privada Montravel, Silveira & Cia em 1858, para se estabelecer na
Colônia Santa Maria da Soledade, às margens do rio Caí. Além de tratar-se de um
núcleo colonizatório misto, Santa Maria da Soledade foi fundada sob uma área
tradicionalmente ocupada por indígenas do grupo étnico Kaingang, tornando-se "ponto de encontro de grupos que viviam em universos culturais distintos" (LAROQUE, WEIZENMANN, SCHAEFFER, 2019, p. 115).
Placa indicativa na localidade de Santo Antônio do Forromeco, Carlos Barbosa/RS, próximo ao local onde a família Versteeg se estabeleceu em 1858. Foto: Jéferson Schaeffer, 2017. |
Dentre os poucos (des)encontros dos
quais existem registros, destaca-se a experiência vivida por Lambertus
Versteeg, cuja propriedade foi pilhada e família composta por esposa e filhos
raptada no ano de 1868 por indígenas. Este caso que acompanha o imaginário
social de descendentes e pessoas que vivem na região até os dias atuais, além
de ter tido como base a tradição oral dos envolvidos, foi em boa parte
influenciado por obras que tiveram o conflito como tema, das quais gostaria de
apresentar dois autores: Matias José
Gansweidt e Fidélis Dalcin Barbosa.
Para o manuscrito intitulado “Luis Buger und die Opfer seiner Rache“
publicado pela primeira vez em 1929, Gansweidt manuseou diferentes tipos de
fontes, como a coleta de depoimentos orais – inclusive do próprio Jacob
Lambertus Versteeg, e a interpretação de documentos e cartas da época, com as
quais descreveu o caso a partir da perspectiva do raptado. A obra foi traduzida
por Eugênio Damião e publicada em português sob o título “As vítimas do Bugre” no ano de 1946, e reeditada em versão ampliada
no ano de 2000 por Valdomiro Sipp.
Fidélis Dalcin Barbosa, já influenciado
pelo manuscrito de Gansweidt, publicou em 1966 a obra “Prisioneiros dos bugres”, em versão mais sintetizada e que divergiu
em alguns pontos com as informações de 1929. Foi reeditada em 1977 sob o título
“Luís Bugre: o indígena diante dos
imigrantes alemães”. Entre trabalhos mais recentes e que consideraram a
perspectiva indígena durante a análise do conflito, estão os estudos de Soraia
Sales Dornelles (2011) e a publicação de Laroque, Weizenmann e Schaeffer
(2019).
Conforme os autores acima mencionados, a
família raptada teria ficado durante anos em companhia do grupo indígena, o
qual não foi localizado nas incursões realizadas pelas matas por parte de colonos
do Forromeco e soldados da província. A historiografia aponta a cascata do
Salto Ventoso em Farroupilha/RS como local de assentamento temporário dos
indígenas, lugar este que foi transformado em ponto turístico e menciona o caso
a partir de placas informativas e panfletos.
Placa em referência ao caso da família Versteeg no Parque Salto Ventoso, Farroupilha/RS. Foto: Jéferson Schaeffer, 2017. |
Embora as obras relacionadas ao caso não
comprovem o destino final de mãe e filha – mas tendam à suspeita de
assassinato, o filho Jacob Lambertus Versteeg conseguiu retornar à sociedade de
origem após anos de interação com o grupo indígena. Os já mencionados estudos
mais recentes destacam o caráter de identidade múltipla dos protagonistas do
caso, a citar: Jacob Lambertus Versteeg, neerlandês, que viveu entre e
constitui família com alemães, além da vasta experiência com indígenas; e Luís
Bugre (Luís Antônio Silva Lima), indígena Kaingang que foi capturado por uma família de origem lusa e viveu
entre descendentes de “alemães” e italianos em posição de ex-selvagem.
Sepultura de Jacob Lambertus Versteeg no Cemitério IECLB de Desvio Blauth, Farroupilha/RS. Foto: Jéferson Schaeffer, 2017. |
Jacob Lambertus Versteeg contraiu
casamento com Karoline Weirich, com quem tivera quinze filhos e faleceu em Desvio
Blauth, Farroupilha/RS, enquanto que o pai Lambertus Versteeg se uniu à viúva de origem neerlandesa Pietertje Kloote, também radicada em Santa Maria da Soledade. A migração interna com direção ao Vale do Taquari no final do
século XIX, certamente carregou consigo lembranças do fato ocorrido no vale do
Forromeco, como foi o caso dos enteados de Lambertus Versteeg migrados à
Colônia Nova Berlim e os filhos de Jacob Lambertus Versteeg migrados aos
municípios de Imigrante e Arroio do Meio.
Referências:
BARBOSA, Fidélis Dalcin. Luís Bugre: o indígena diante dos imigrantes alemães. Passo Fundo: EST Edições, 1977.
DORNELLES, Soraia Salles. De Coroados a Kaingang: as experiências vividas pelos indígenas no contexto da imigração alemã e italiana no Rio Grande do Sul do século XIX e início do XX. Orientador: Eduardo Santos Neumann. 2011. 134 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre/RS, 2011.
GANSWEIDT, Matias José. As vítimas do Bugre. Porto Alegre: Selbach, 1946.
BARBOSA, Fidélis Dalcin. Luís Bugre: o indígena diante dos imigrantes alemães. Passo Fundo: EST Edições, 1977.
DORNELLES, Soraia Salles. De Coroados a Kaingang: as experiências vividas pelos indígenas no contexto da imigração alemã e italiana no Rio Grande do Sul do século XIX e início do XX. Orientador: Eduardo Santos Neumann. 2011. 134 f. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Porto Alegre/RS, 2011.
GANSWEIDT, Matias José. As vítimas do Bugre. Porto Alegre: Selbach, 1946.
LAROQUE, Luís Fernando da Silva; WEIZENMANN, Tiago;
SCHAEFFER, Jéferson Luís. Relações interétnicas: (des)encontros entre Kaingang
e imigrantes holandeses no século XIX em
territórios das bacias hidrográficas Taquari-Antas e Caí , Rio Grande do
Sul. Revista Tellus. Editora UCDB. Ano 19, n. 38, jan/abr. p.
103-128, 2019.
Salto Ventoso, 2018. Disponível em<http://www.saltoventosoparque.com.br/historia.html/>. Acesso em: 21/05/2020.
Agradecimento especial pela colaboração aos irmãos Arno e Anelise Versteg.
Agradecimento especial pela colaboração aos irmãos Arno e Anelise Versteg.
Excelente primo!
ResponderExcluirMuito interessante seu estudo. Venho procurando resgatar informações de meus antepassados, família Ten Pas também vieram em 1858 para Sta Maria da Soledade e depois parte migrou para Estrela.
ResponderExcluirTemos um grupo no Facebook com algumas informações a respeito da vinda da família Ten Pas para o sul do Brasil. Família/ Familie Ten Pas...
ResponderExcluirConheci o Salto Ventoso em 2019, e fiquei ainda mais comovido com a história da família Versteeg, Muito dolorida, qual conheci através do livro "Prisioneiros dos Bugres" (obra rara, que me foi emprestada por duas semanas). Essa foi confirmada ao ver aquela placa indicativa (acima), a qual se encontra a 150m desta queda de água, de extraordinária beleza.
ResponderExcluirmuito sofrida.
Eu sou bisneto de jacob versteeg. A minha vò paterna era filha d jacob que se chamava anna. Ela me contou a historia toda sobre seu pai, quando eu era guri ainda.
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